REGIME CIVIL MILITAR - PANOMARA DE RESISTÊNCIA
O golpe militar de 1964, por não ter
encontrado quase nenhuma resistência, deixou perplexos setores organizados da
esquerda e movimentos sociais que apoiavam o governo Goulart. A impressão era
de que as esquerdas que prometiam a revolução se rendiam sem conseguir entender
a situação. O velho clichê que afirmava o brasileiro como passivo e distante da
política parecia se confirmar. Mas será que efetivamente não houve resistência?
Quem resistiu? Como?
MANIFESTAÇÕES INICIAIS DE RESISTÊNCIA
Começaram já
no dia 1º de abril as primeiras manifestações de resistência ao golpe de 1964.
Com a intenção de manter a legalidade do governo de João Goulart, foram feitos
discursos por deputados, como Rubens Paiva, e por organizações, como a
União Nacional dos Estudantes (UNE), através da Rádio Nacional. Esses discursos
convocavam a população para que, organizada em seus setores e associações,
fizesse uma greve geral e se manifestasse a favor do governo e das reformas
ameaçadas pelos golpistas. Mas logo esses deputados foram cassados e as
entidades, colocadas na ilegalidade.
Quando as
cassações e prisões se abateram sobre amplos setores, cresceu o sentimento de
indignação, notadamente entre a intelectualidade de esquerda e liberal,
pertencente à classe média. Por isso, algumas das primeiras manifestações de
protesto surgiram na imprensa, por exemplo, com a revista Pif Paf.
Dirigida por Millôr Fernandes, a publicação chegou às bancas já em maio de
1964, menos de dois meses após o golpe.
Também
ocorreram no teatro, com o show musical de protesto Opinião, dirigido por
Augusto Boal, com o apoio do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Nele se
destacaram as cantoras Nara Leão e Maria Bethânia. O espetáculo estreou no
Teatro de Arena do Rio de Janeiro, em dezembro de 1964, e depois excursionou
pelo país, fazendo grande sucesso entre a classe média.
Outro musical
de protesto causou grande impacto: Liberdade, Liberdade, de Millôr Fernandes e
Flávio Rangel, estrelado por Paulo Autran, que estreou no dia 21 de abril de
1965, Dia de Tiradentes. O espetáculo viajou pelo país incessantemente até sua
proibição em 1966. Millôr provocava o regime: “Se continuarem permitindo peças
como Liberdade… vamos acabar caindo em uma democracia”.
Foram ainda os
intelectuais que protagonizaram um protesto de repercussão nacional e
internacional. Em novembro de 1965, oito deles – Glauber Rocha, Antônio
Callado, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Heitor Cony, Marcio Moreira Alves,
Flavio Rangel, Mario Carneiro e Jaime Rodrigues – se manifestaram contra a
ditadura em frente ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro, durante uma Conferência
da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ficaram presos por vinte dias,
enquanto corriam abaixo-assinados no Brasil e no exterior por sua libertação.
Essa
indignação, no entanto, não era generalizada. Uma parcela expressiva do
empresariado e dos grandes proprietários rurais, que havia contribuído para o
golpe, evidentemente estava satisfeita, junto com amplos setores médios
conservadores, assombrados pelo clero católico e pela grande imprensa com o
“fantasma do comunismo”.
Os
trabalhadores urbanos, cujos líderes foram duramente reprimidos e amargavam nas
prisões enquanto seus sindicatos estavam sob intervenção, tinham se calado. Os
camponeses e trabalhadores rurais, principalmente do Nordeste, estavam
submetidos pelo terror. Em especial os das Ligas Camponesas, cujos líderes
foram caçados e muitos deles executados pelo Exército e por capangas de
latifundiários.
Mas o espírito
de resistência cresceu a partir de 1966. Ele foi aumentando com o decorrer dos
anos, à medida que o programa econômico da ditadura ampliava a concentração da
riqueza e o empobrecimento dos trabalhadores, e que o regime repressivo não
dava espaço para as reivindicações populares. Assim, o sentimento de oposição
alcançou novos setores até se tornar um amplo movimento de opinião e de
militância pela democratização da sociedade.
As formas da
resistência eram muitas e de variados tons ideológicos. De liberais
arrependidos pelo apoio ao golpe que escreviam matérias críticas aos militares
a jovens radicais de esquerda que queriam derrubar o regime pelas armas. Nem
sempre essas resistências se entendiam entre elas, mas todas tinham algum grau
de crítica ao regime.
Além das
referidas manifestações dos intelectuais, em 1965, exatamente um ano depois do
golpe, houve uma tentativa de organizar a resistência armada. Foi uma ação de
guerrilha, patrocinada por Leonel Brizola e comandada pelo coronel Jefferson
Cardim, no interior do Rio Grande do Sul. A ação não recebeu o apoio esperado e
foi facilmente dominada. Mas já era o prenúncio do que viria mais tarde, com
mais força.
A sociedade
brasileira viveu dois grandes ciclos de protestos públicos contra o regime que
catalisaram e amplificaram o sentimento da resistência, com grandes
manifestações de rua, envolvendo vários setores, mas que quase sempre começavam
pela iniciativa do movimento estudantil.
PRIMEIRO CICLO DE PROTESTOS (1966 - 1968)
Entre 1966 e
1968, os estudantes foram a ponta de lança das insatisfações da classe média
com a política econômica recessiva do governo Castelo Branco, realizando
grandes protestos. O ápice dessas manifestações foi a Passeata dos Cem Mil, em
junho de 1968. No mesmo ano, os operários, que tinham sofrido centenas de
intervenções em seus sindicatos, voltaram à cena, realizando as primeiras
grandes greves desde 1964.
Mas a dura
repressão dos anos de chumbo, somada à volta do crescimento econômico, criou um
clima de aparente “apatia social” que não se sustentaria por muito tempo.
Enquanto os guerrilheiros eram massacrados, a população trabalhadora parecia se
interessar mais por futebol e a classe média, em consumir e ganhar dinheiro. O
regime parecia triunfar.
Nesse período,
a UNE fez grandes passeatas, mobilizou greves e organizou congressos
clandestinos da entidade. Os estudantes foram duramente reprimidos. Sofreram
espancamentos generalizados nas manifestações, aos quais ofereceram
resistência, resultando em combates de rua com a polícia militar. Estudantes
foram presos, feridos, mortos.
Ainda em 1965,
manifestações públicas foram protagonizadas pelo movimento estudantil. Mas foi
em 1968, após o assassinato do estudante Edson Luiz pela PM, em março, que as
manifestações de massa ganharam outra magnitude. Principalmente na cidade do
Rio de Janeiro, onde a população começou a aderir às passeatas e aos confrontos
com a polícia.
Paralelamente
às crescentes ações de massa, a ideia de promover a luta armada ia ganhando
corpo dentro da esquerda. Em 1967, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) estava
enviando seus primeiros militantes para o Araguaia, no então sul do Pará, para
preparar uma guerrilha rural. Nessa época, começavam a ser praticados os
primeiros assaltos a bancos e outras ações armadas, que tiveram seu auge entre
1969 e 1971. Ao longo desses anos, os militares liquidaram paulatinamente as
organizações da guerrilha urbana. Já a guerrilha rural no Araguaia foi atacada
pelo Exército e foi dada por completamente derrotada em janeiro de 1975.
A volta das
greves operárias, em 1968, depois de tanta repressão e intervenção nos
sindicatos, surpreendeu o governo. Eles obtiveram algumas vitórias, mas também
foram alvo de uma repressão implacável. Foi efêmera a reanimação do movimento
operário, que só voltou à cena em 1978, no ABC paulista.
O governo
temia a convergência entre a rebelião do sistema político, com muitos
parlamentares criticando abertamente o regime, o movimento estudantil e a
Frente Ampla, grupo formado pelos ex-presidentes JK, Jango e por Carlos
Lacerda. Os intelectuais e artistas estavam bastante mobilizados contra a
censura e contra o autoritarismo. A sociedade, que quatro anos antes parecia
festejar o golpe, agora estava rebelde, gritando nas ruas “Abaixo a Ditadura”.
Em plena crise
estudantil, em julho de 1968, o governo proibiu as manifestações públicas em
todo o país. A tensão aumentou. Em outubro, a polícia prendeu em Ibiúna, no
interior de São Paulo, mais de mil estudantes que participavam do congresso
clandestino da UNE. Ao serem libertados vários deles aderiram às organizações
que estavam se enveredando pelo caminho da luta armada.
Sob a
repressão, que se agravou ainda mais a partir do Ato Institucional Nº5 (AI-5),
de dezembro de 1968, o movimento estudantil, privado de suas lideranças, se
reorganizou cautelosamente e só voltou a se manifestar publicamente em 1977.
Mas, até lá, grupos de oposição continuaram a existir e a se organizar, nas
igrejas, nos bairros, nas fábricas, nos espaços culturais, nos campi
universitários. A parte democrática da sociedade, a rigor, nunca esteve
apática, mesmo durante a vigência do AI-5 e do Estado de terror.
SEGUNDO CICLO DE PROTESTOS (1978 - 1984)
Comentários
Postar um comentário